Hoje, mais do que nunca, estão sendo cobrados diagnósticos de leitura e escrita para subsidiar a intervenção pedagógica e recomposição de aprendizagem. Aprenda como fazer uma sondagem de escrita, passo a passo, a partir de três propostas.
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É inegável a importância de realizar diagnósticos de aprendizagem, principalmente quando se fala em intervenção pedagógica na alfabetização. A sondagem de escrita é uma ferramenta muito útil para avaliar a escrita das crianças. Isso porque vários estudos mostram que as crianças constroem hipóteses antes de aprenderem a escrever convencionalmente.
No ensino tradicional não é comum identificar as hipóteses de escrita dos estudantes, pois muitas vezes, a escola desconsidera o que o aluno já sabe. Mas se você está lendo esse conteúdo é porque quer valorizar os saberes dos estudantes e ajudá-los a ter autonomia. E, por isso, deve compreender como funciona mais essa maneira de avaliar.
Aliás, nos cursos de graduação aprendemos todos esses conceitos, mas quando chegamos na realidade de sala de aula, deixamos de lado. Isso acontece porque a concepção de ensino de grande parte das instituições é tradicional e infelizmente, somos influenciadas. É como se diminuísse nossa motivação diante de nosso sonho de fazer diferente, oferecer um ensino significativo, tal como aprendemos na faculdade.
Nesse artigo, você vai perceber como é simples realizar uma sondagem de escrita. E apesar de simples, como é um diagnóstico rico e capaz de orientar várias intervenções precisas. Para que você possa escolher qual sondagem é mais adequada ao propósito que tenha no momento, serão apresentadas três propostas.
A primeira proposta é um ditado de uma lista de palavras, como é realizado comumente. Vários aspectos devem ser observados e você terá uma descrição completa, “tim-tim por tim-tim”. É uma boa proposta para um diagnóstico inicial ou para alunos que estejam no início da alfabetização.
Porém, não podemos limitar o ano de escolaridade, uma vez que estudos evidenciam que as hipóteses não têm a ver, necessariamente, com a idade do sujeito. Principalmente após a pandemia, a defasagem foi acentuada e alguns estudantes dos anos finais do ensino fundamental, por exemplo, não escrevem convencionalmente.
A segunda proposta é para estudantes que já escrevem convencionalmente. O objetivo é que escrevam a reescrita de um conto. Aspectos como a segmentação, ortografia, progressão temática, entre outros poderão ser avaliados a partir dessa sondagem.
A terceira proposta apresenta a possibilidade de fazer uma sondagem contextualizada, utilizando atividades que acontecem no cotidiano da sala de aula. A partir dessa avaliação, é possível conhecer as hipóteses das crianças em um percurso contínuo, observando cada avanço ou dificuldade no dia a dia.
Importância da sondagem de escrita
Primeiramente, a aprendizagem da leitura e da escrita é a base para os demais aprendizados. Além de ser um direito de todo o cidadão, saber ler e escrever com autonomia, além da escola, ou seja, nas práticas sociais.
Infelizmente, o que vimos na realidade é que muitos estudantes concluem o Ensino Médio, no entanto, não estão alfabetizados. Geralmente, tiveram dificuldades lá no início da educação formal que não foram superadas e afetaram todo o percurso escolar.
Quem nunca se assustou em, ao propor um ditado, alguns alunos escreverem letras que não tem nada a ver com a palavra ditada? Ou mesmo, escrever só as vogais ou somente as consoantes da palavra? A princípio, seria um desespero, principalmente em turmas que já passaram do ciclo da alfabetização.
Mas, quando temos conhecimentos sobre como a criança aprende, nosso olhar é diferenciado. Entendemos que ela está construindo hipóteses sobre a escrita e que, a partir de nossa intervenção ela pode avançar. Assim, não cometemos o erro de apagar e pedir para o estudante escrever novamente de forma correta. Ou pior, ainda, colocar um grande “X” de caneta, que traumatiza qualquer pessoa.
Como exigir uma escrita convencional de um aluno que ainda não compreendeu o funcionamento do sistema de escrita alfabética? Ele não irá conseguir e se sentirá frustrado.
Nesse sentido, a sondagem é uma maneira de diagnosticar como os estudantes estão pensando a escrita, quais foram os avanços, para orientar o trabalho dos professores. É um instrumento para o planejamento de intervenções pedagógicas eficazes e definição de agrupamentos produtivos.
A sondagem não precisa ser aplicada apenas com crianças menores. Muitas turmas, embora avançadas, possuem alunos que não foram alfabetizados e é importante ter esse diagnóstico.
Por que conhecer as hipóteses de escrita?
As pesquisadoras Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, produziram na década de 80, uma pesquisa relevante sobre a psicogênese da escrita e que influencia até os dias de hoje. Por trás dos “rabiscos”, conhecidos como garatujas ou ainda “erros” cometidos pela criança, estão pistas para o professor conhecer as hipóteses que o aluno constrói antes de aprender a escrever convencionalmente.
Considerando o “ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas situações educativas e diversas línguas” (FERREIRO, 2011, p. 21-22).
Entender o nível de evolução conceitual dos alunos é indispensável para o sucesso na alfabetização. As palavras de Emília Ferreiro resumem a importância de conhecer as hipóteses de escrita das crianças:
“Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um ensino sistemático, e que a sua ignorância está garantida até que receba qualquer tipo de ensino, nada poderemos enxergar. Mas se pensarmos que as crianças são seres que ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender, talvez comecemos a aceitar que podem saber embora não tenha sido a elas a autorização institucional para tanto”(FERREIRO, 2011, p.20).
Primeira proposta: Sondagem de escrita por meio de ditado
Essa proposta pode ser realizada em momentos pontuais, a serem definidos pelo professor.
Em primeiro lugar, para realizar uma sondagem de escrita não é preciso muitos materiais. Tudo o que você vai precisar é de uma folha A4 e lápis de escrever. A folha pode ser dividida ao meio, afinal, nada de desperdícios! Você deve estar se perguntando: não seria melhor uma folha de caderno com linhas? O motivo de utilizar uma folha sem pauta é avaliar também a utilização do espaço, alinhamento e direção da escrita. E a borracha, não é necessária? Quando o aluno quiser mudar algo na escrita, é preferível que ele escreva novamente, na frente do que escreveu antes, pois assim é possível observar os conflitos cognitivos que ele está vivenciando.
Dessa forma, se a criança apagar, essas correções só poderão ser registradas nas anotações da pessoa que está avaliando. Aliás, esse é outro ponto importante. Ao aplicar a sondagem, tenha sempre um caderno ou outro material para ir anotando qualquer observação que irá complementar o registro, como aspectos emocionais, perguntas que o aluno faz, justificativas, entre outras.
Escolhendo a lista de palavras
Agora, vamos planejar como será a sondagem de escrita. Você vai precisar escolher uma lista de palavras para fazer um ditado. Essas palavras devem pertencer ao mesmo campo semântico, por exemplo, animais, frutas, comidas, materiais escolares, etc. Precisam fazer parte do cotidiano dos alunos, mas não devem ser palavras cuja escrita tenha sido memorizada por eles. Outro detalhe é escolher uma palavra polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba, sendo que elas serão ditadas nessa ordem.
Além disso, as palavras precisam variar a quantidade de letras e sílabas. É importante evitar palavras que repetem a mesma vogal, uma vez que os estudantes que estão no nível silábico muitas vezes escrevem somente as vogais de determinada palavra. Por exemplo, ao escrever BANANA poderiam escrever AAA, e não aceitar como sendo uma palavra. Talvez acrescentariam outras letras, ou mudariam alguma, o que pode confundir nosso diagnóstico.
Após selecionar as palavras, planeje uma frase que tenha uma dessas palavras. O objetivo é observar se a escrita do aluno permaneceu estável, isto é, se ele escreveu a palavra da mesma forma, na lista e na frase.
Planejamento, ok! Vamos à aplicação da sondagem de escrita?
Principalmente em turmas de alfabetização inicial, o melhor é aplicar a sondagem individualmente para observar, fazer perguntas e ter uma avaliação mais próxima. No entanto, é possível realizá-la em grupos, dentro de cada possibilidade. E pedir auxílio a outros profissionais da escola, quando necessário.
Prepare um ambiente acolhedor, que se distancia do que comumente esperamos de uma avaliação tradicional. Explique, ao aluno, que você precisa que ele escreva algumas palavras, mas que não vai observar se está certo ou errado, ele somente precisa escrever como “pensa” a escrita.
Para criar uma situação mais próxima da realidade é legal criar um contexto para o ditado. Por exemplo, se a lista for de materiais escolares: “Ana está precisando de materiais novos para a escola. Vamos escrever uma lista de materiais que ela precisa comprar”.
Combine com o estudante que ele vai escrever uma lista e por isso, cada palavra deve ser escrita uma abaixo da outra. Também peça que escreva com letras de forma maiúsculas (de imprensa). Como os caracteres são isolados e o traçado é mais fácil, a hipótese de escrita pode ser melhor representada do que quando se utiliza letra cursiva.
Inicialmente, peça para o aluno escrever o nome na parte superior da folha, da maneira como ele consegue.
Realizando o ditado para avaliar as hipóteses de escrita
Então, podemos começar o ditado. Ao ditar, evitar a escansão. Em outras palavras, não pronunciar a palavra como se estivesse separando as sílabas, apenas dizer normalmente. Observe as reações da criança e anote o que ela falar, espontaneamente. Alguns alunos fazem perguntas, tais como “é com essa letra?”, “está certo?”. Contudo, esse não é o momento para intervenções ou correções, já que se fizermos interferências, não conseguiremos avaliar em que fase estão e o que pensam sobre a escrita.
Para os alunos que se mostrarem resistentes e não quiserem escrever na folha, a dica é preparar letras móveis. Nesse caso, quem está avaliando faz o registro em forma de escrita.
Quando o estudante avaliado terminar de escrever a primeira palavra do ditado, peça que ele leia o que escreveu. Para confirmar a hipótese, é importante verificar a relação que ele estabelece entre a escrita e a leitura. Você pode registrar nas anotações como ele faz a leitura, se associa com a escrita, se aponta com o dedo cada uma das letras, entre outras que forem relevantes.
A marcação de leitura pode ser feita pelo professor ou outro avaliador ou mesmo pelo próprio estudante (ao invés de indicar com o dedo).
E assim, repita esse processo para todas as palavras.
Segunda proposta: Sondagem de escrita por meio da reescrita de um conto
Para alunos que já escrevem convencionalmente, a sugestão é pedir que reescrevam um conto que eles já conhecem. A reescrita é uma situação muito potente, justamente porque o conteúdo temático, como os acontecimentos da história, é conhecido pelos estudantes. Assim, não é preciso pensar no que escrever, mas sim em como escrever.
Nesse sentido, antes de começar, é preciso se certificar que os estudantes conhecem a história que será utilizada. Uma boa alternativa é escolher fábulas bastante conhecidas, como por exemplo, o leão e o ratinho. Prefira textos curtos.
Depois de ter o texto escolhido, prepare o ambiente, assim como foi descrito na sondagem a partir do ditado. Nesse caso, pode-se utilizar uma folha com linhas. Em seguida, leia o texto todo, em voz alta, para o estudante. Realize uma segunda leitura, mas dessa vez, leia até determinado ponto, ou seja, até o trecho que você vai deixar marcado anteriormente, por exemplo, deixe os dois últimos parágrafos da fábula “O leão e o ratinho”.
Solicite que o estudante ou grupo de estudantes avaliado reescreva, individualmente, o trecho que você não leu na segunda leitura. No exemplo apresentado, o aluno vai reescrever o final da fábula.
Assim como o ditado de listas, não realize intervenções ou correções nesse momento, pois isso pode interferir nos resultados. Também anote todas as observações que podem complementar o diagnóstico de escrita.
Terceira proposta: Sondagem de escrita a partir de um contexto significativo
O objetivo dessa proposta é analisar as hipóteses de escrita dos estudantes a partir de atividades que já fazem parte da rotina em sala de aula. Tais atividades devem ter um objetivo maior que é usar a escrita em situações reais.
Se o ditado em listas serve para avaliar a escrita em momentos pontuais do ano letivo, a avaliação de escrita a partir de um contexto real pode ser utilizada no dia a dia, integrada a outras atividades. O interessante é que quando a criança escreve com um objetivo claro, se motiva mais. E quanto mais motivada, poderá colocar em prática seus conhecimentos sobre o sistema de escrita.
Para essa sondagem, é possível continuar propondo a escrita de listas. Porém, o diferencial é que a produção de uma lista terá um objetivo real, que será socializado com outras pessoas. Por exemplo, a escrita de uma lista de frutas preferidas pela turma para preparar uma salada de frutas. Ou ainda, uma lista de objetos que os alunos devem levar de casa para uma oficina de brinquedos recicláveis. Outra dica é uma lista de animais que a turma quer pesquisar em enciclopédias para depois montar um cartaz.
Uma sugestão criativa é confeccionar bonequinhos que representam alguns personagens de uma história que a turma mais gostou. Assim que os personagens estiverem prontos, um grupo de alunos deve escrever o nome de determinado personagem, para depois realizarem uma exposição.
Dessa forma, os estudantes escrevem dentro de um contexto significativo, pois sabem o que estão escrevendo, por que, para que e para quem. Também conseguem entender o que está escrito, mesmo que esteja do “jeito deles”.
Nessa proposta, a intervenção docente é necessária. O objetivo não é induzir o aluno a escrever de acordo com determinada hipótese, mas realizar intervenções que possibilitem às crianças colocar em jogo aquilo que já sabem. Além de incentivá-las a buscar recursos para superar os obstáculos que surgem ao escrever.
Como potencializar a sondagem
Tendo planejada uma situação de produção escrita significativa, ajude as crianças a relembrar o conteúdo que estão escrevendo para que não “percam” o sentido da produção. Incentive os estudantes a ter palavras de referência, como nome dos colegas e demais textos afixados na sala de aula. Assim, eles podem identificar letras e sílabas presentes em uma palavra que já está escrita para auxiliar na escrita de outra palavra. Um exemplo para ficar mais fácil: “laranja começa com o ‘la’ de Larissa”.
Solicite que os estudantes leiam o que escreveram para que possam controlar suas produções, relacionando a leitura com a escrita. Problematize, sem dizer se está certo ou errado e peça para revisarem a escrita.
Dessa maneira, é possível realizar duas situações indispensáveis: sondar as hipóteses de escrita das crianças, percebendo evoluções e dificuldades, e ainda, intervir nas hipóteses buscando avanços na aprendizagem.
Conclusão
A sondagem de escrita é um instrumento essencial, mas não é o único e por isso, deve ser utilizada em conjunto com outras formas de avaliação. Além disso, para que tenha sucesso, não basta aplicar a sondagem e classificar cada aluno em pré-silábico, silábico sem valor sonoro, silábico com valor sonoro, silábico-alfabético ou alfabético. Esse é apenas o primeiro passo, como uma base, para planejar intervenções pedagógicas que possibilitem que cada estudante avance em suas hipóteses e se aproxime da escrita convencional.
Leia também: Avaliação de leitura na alfabetização: como diversificar e realizar uma sondagem de leitura completa
Referências
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. 26 ed. São Paulo: Cortez, 2011.