A literacia é um termo novo, mas com uma definição bem familiar. Saiba agora o que é literacia e como esse conceito pode contribuir com a prática pedagógica.
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De antemão, o processo de aprendizagem da leitura e escrita é muito complexo. Daí surgem muitos conceitos associados: alfabetização, letramento, literacia, práticas de leitura…
São tantos termos e definições, com sentidos próximos, que ficamos confusas sobre como funcionam na prática. Alguns já fazem parte de nosso vocabulário, mas o que é literacia ainda é uma dúvida recorrente.
Apesar da variedade de concepções, e até mesmo conflitos ideológicos em torno das teorias pedagógicas, penso que devemos olhar para o lado positivo. Se estudos estão sendo feitos, discussões lançadas, significa que novas respostas podem surgir para nossos desafios e questionamentos dentro da sala de aula.
Assim, os estudos sobre literacia também podem contribuir com a prática pedagógica. E, para acompanhar tantas mudanças na sociedade, devemos aperfeiçoar sempre, buscar informação, para assim, oferecer o melhor ensino que podemos.
Então, te convido a refletir sobre o que é literacia e como este conceito pode contribuir com a prática em sala de aula. Lembrando que não existe uma única definição ou explicação para literacia, pois é um conceito amplo. O objetivo desse post é trazer um conteúdo de fácil compreensão.
Para início de conversa
Seria um sonho maravilhoso chegar em uma sala de aula e ter todos os alunos familiarizados com a leitura. Contudo, não é bem assim.
A realidade no Brasil é difícil, pois com tanta desigualdade econômica, sabemos que a maioria das famílias não têm o hábito de leitura, ou seja, os alunos não tiveram acesso à literacia emergente, conceito que veremos adiante.
Diante dessa realidade, a escola torna-se a principal responsável para desenvolver a competência em leitura.
Porém, as crianças que não desenvolvem as habilidades de alfabetização desde cedo, apresentam mais dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.
Consequentemente, podem apresentar dificuldades ao longo do percurso escolar.
Com isso, os professores precisam planejar intervenções para alavancar o desenvolvimento das competências em leitura. Afinal, a leitura é uma competência essencial e por isso, um direito universal de todos os seres humanos.
Trata-se, portanto, de partir do que os alunos já sabem para oferecer novos aprendizados. Mesmo que a base seja insuficiente, não podemos negar a realidade, mas buscar transformá-la.
Alfabetização, letramento e literacia: quem vence essa batalha?
Em primeiro lugar, os termos alfabetização, letramento e literacia não são opostos e nem um é melhor que o outro.
Se quisermos pensar na prática em sala de aula e no sucesso dos estudantes, um conflito ideológico não é relevante. O que podemos é apropriar das contribuições de cada uma dessas perspectivas para melhorar o ensino.
Breve consideração sobre alfabetização
A alfabetização é um termo usado para designar o início do processo de aprendizagem da leitura. Isto é, os procedimentos que permitem que as pessoas sejam capazes de utilizar o alfabeto, nos países que usam a escrita alfabética, considerando-se um primeiro passo num caminho que conduz à verdadeira leitura (Morais, 2013 apud Alçada, 2021).
Assim, o estudante passa a entender que as letras são utilizadas para representar os sons da fala. Essa não é uma aprendizagem fácil e natural como aprender a falar. Por isso mesmo deve ser ensinada, com estímulos eficientes.
Sendo assim, a alfabetização é muito necessária, uma vez que as pessoas precisam dominar o código, compreender a técnica que envolve a leitura e a escrita. No entanto, só conseguir decodificar e codificar não é suficiente. O processo não para por aí.
Por muito tempo, consideravam que primeiro, era preciso ensinar letras, sílabas, palavras e frases. Só depois que finalizasse esse processo, as crianças tinham contato com textos reais.
Esse cenário mudou a partir da divulgação de inúmeras pesquisas, as quais permitiram que hoje tenhamos uma visão mais ampla sobre como as crianças aprendem.
Breve consideração sobre letramento
Nesse contexto, o conceito de letramento trouxe muitas contribuições, pois o fato de uma pessoa saber ler e escrever textos simples não significa que ela vai conseguir usar a leitura e escrita com autonomia na vida cotidiana.
Muitas vezes, os estudantes são considerados alfabetizados, mas têm dificuldades em compreender textos mais complexos, redigir uma declaração, preencher um formulário, entender a bula de um remédio, escrever mensagens mais formais, por exemplo.
Segundo a visão de Magda Soares, alfabetização é a ação de ensinar ou aprender a ler e escrever.
Enquanto o letramento é um estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas dedica-se às atividades de leitura e escrita e exerce as práticas sociais que usam a leitura e escrita.
A autora chama a atenção que os termos são distintos, mas não opostos. Sendo assim, o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais de leitura e da escrita.
Já o termo literacia ainda é uma novidade em nosso meio, mas é bem semelhante ao letramento.
Uma das vantagens de utilizá-lo, descrita pela Política Nacional de Alfabetização, é o fato de alinhar-se à terminologia científica consolidada internacionalmente.
Considerando que Portugal e outros países que falam português comumente utilizam a palavra literacia em muitas publicações científicas. Inclusive é o termo que a UNESCO utiliza.
Afinal, o que é literacia?
Literacia vem do vocábulo inglês, literacy. A Língua Portuguesa e várias outras línguas adotaram esse termo. Existem outras formas de literacia como a numérica, científica, financeira, de informação ou digital.
Por isso, muitas vezes utiliza-se o termo literacia de leitura para referir-se à capacidade de utilizar a habilidade de ler na vida cotidiana.
A literacia é um processo que se inicia muito antes da criança entrar na escola, além de ser contínuo, uma aprendizagem ao longo da vida.
A Política Nacional de Alfabetização, instituída pelo decreto nº 9.765 de 11 de abril de 2019, define literacia como “conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas com a leitura e a escrita e sua prática produtiva”.
Alçada (2021, p.7) mostra que geralmente, “o nível de literacia atingido por cada pessoa tende a influenciar as suas práticas de leitura”. Nesse sentido, os hábitos ou práticas de leitura são atividades culturais que compreende o uso dessa competência chamada literacia.
A desigualdade na aquisição da literacia é uma questão que orienta políticas públicas que buscam garantir ensino e exposição aos materiais escritos, tendo em vista a compreensão plena dos textos.
Dessa forma, busca-se a garantia do direito de cada cidadão em utilizar as funções sociais da leitura e atingir um nível elevado de literacia.
Como a literacia é avaliada?
Uma vez que a literacia esteve no foco de atenção em todo o mundo nas últimas décadas do século XX, surgiram estudos para avaliar a literacia de crianças, jovens e adultos.
Avaliação da literacia dos jovens
O Pisa (Programme for International Student Assessment) é um dos programas que avalia a literacia em leitura de jovens.
“O conceito de literacia de leitura, tal como é definido pelo Pisa; diz respeito à capacidade dos alunos de compreenderem e usarem textos escritos, refletindo sobre o conteúdo e envolvendo-se na leitura para atingirem objetivos pessoais, para adquirirem conhecimento, para se desenvolverem e participarem da sociedade. Além da decodificação e da compreensão literal, implica ainda interpretação, reflexão e capacidade para usar a leitura para atingir objetivos pessoais. O enfoque é ‘ler para aprender’ e não ‘aprender a ler’, pelo que não são avaliadas competências mais básicas de leitura (OECD, 2010 apud ALÇADA, 2021, p.13).
Os resultados do Pisa 2018 mostraram que 50% dos brasileiros não atingiram o mínimo de proficiência em leitura, sendo que o Brasil ficou entre 55º e 59º lugar no ranking, um desempenho muito inferior ao resultado dos países da OCDE.
Avaliação da literacia das crianças
Já o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) é o estudo mais reconhecido para avaliar a literacia de crianças. O estudo analisa a literacia de leitura sobre quatro tipos de estratégias de compreensão de leitura: “localização e obtenção de informação explícita; realização de inferências diretas, interpretação e integração de ideias e informação; avaliação, análise e reflexão sobre o conteúdo e os elementos do texto. Aprecia também a capacidade de uso da informação para alcançar objetivos individuais ou sociais” (ALÇADA, 2021, p.14). A avaliação é feita a partir de leitura de textos literários e textos informativos.
Recentemente, foram divulgados os resultados do Pirls 2021. Constatou-se que 38% dos estudantes brasileiros não dominavam as habilidades básicas de leitura, enquanto 13% foram classificados como proficientes. Sendo assim, o Brasil ocupou o 39º lugar em ranking com 43 países.
O que é literacia emergente?
Como dito anteriormente, a literacia é um processo que se inicia antes da educação formal. O interesse em entender como as crianças adquirem as competências de literacia precoces possibilitou o surgimento do termo “literacia emergente”, também chamada de “literacia precoce”. Compreende um conjunto de experiências práticas e interações com a linguagem escrita que acontecem principalmente no contexto familiar.
Nesse sentido, quando essas experiências são eficientes, vão promover o desenvolvimento de competências, atitudes e conhecimentos que servirão de base para a aprendizagem da leitura e da escrita.
A pesquisadora Ana Costa (2021) define que os pais ou outros adultos podem desenvolver a literacia emergente tanto em atividades informais, quanto formais.
Atividades informais de literacia emergente no contexto familiar
Nas atividades informais, a interação está voltada à mensagem e ao sentido do material impresso e não no material propriamente dito. Como exemplo, temos a leitura partilhada entre pais e filhos. Não há uma preocupação com as palavras, o texto em si, mas a criança está convivendo com o material escrito e isso contribui muito com sua formação.
Além disso, os pais e familiares que têm o hábito de leitura são modelos positivos de comportamento letrado. Outro fator também relevante é que ao ler uma história, a linguagem utilizada nos livros é mais complexa do que a que utilizamos no dia a dia. Por isso, as crianças que interagem com os livros, principalmente com mediação de um adulto, passam a ter um vocabulário mais rico.
Atividades formais de literacia emergente no contexto familiar
Já as atividades formais, focam no conteúdo, no material escrito. Por exemplo, não somente ler a história, mas pedir para a criança identificar uma letra, uma palavra que já conhece, mostrar a correspondência entre determinada letra e o som que ela representa. Ou ainda, ensinar a escrever o nome.
Não é difícil perceber a grande diferença no desenvolvimento dos alunos que são apoiados pela família nos estudos. Pena que são tão poucos, o que evidencia a importância de políticas públicas também voltadas para a literacia emergente.
Na prática, qual a importância do termo literacia?
Diante dessas considerações, percebe-se que o objetivo maior deve ser garantir que todos saibam ler e escrever bem, dominem a leitura e façam da leitura uma prática cotidiana.
O conceito de letramento trouxe diversas contribuições que não precisam ser deixadas de lado porque surgiu um termo novo, a literacia. Nosso propósito maior deve ser avançar e melhorar o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, que infelizmente não está bom.
Dessa forma, entender o que é literacia é importante porque nos mostra que para aprender a ler e escrever não basta somente dominar a técnica ou somente interagir com textos reais. É um processo complexo, que não é natural, e que depende da consciência fonológica, fluência, compreensão, vocabulário, por exemplo. Então, a abrangência do termo “literacia” é muito ampla.
Papel do(a) professor(a) na literacia dos estudantes
Portanto, é preciso contribuir para que os estudantes atinjam níveis de literacia que permitam o domínio pleno de qualquer tipo de texto. A partir desse entendimento, o que podemos trazer para a prática é a compreensão de que crianças são capazes de ler mesmo sem saber ler convencionalmente. Isso porque a leitura é um processo ativo que envolve coordenação de informações, compreensão, interação entre leitor, texto, contexto e conhecimentos prévios.
Nessa perspectiva, a partir das experiências de literacia, as crianças vão desenvolvendo estratégias leitoras e vão construindo saberes também sobre o sistema de escrita. Sendo assim, planejar situações de leitura que façam sentido para as crianças, próximo de situações em que as pessoas leem na vida real, é uma excelente maneira de colocar em prática esses saberes produzidos por evidências científicas.
Além disso, é fundamental desenvolver a literacia na intervenção pedagógica, partindo do nível em que o estudante está. Mesmo que o aluno consiga ler textos simples, domine o código, ele precisa de intervenções para ajudá-lo a dominar plenamente qualquer tipo de texto. Essa é uma condição para que ele use a leitura para aprender os demais conteúdos e tenha sucesso no percurso escolar.
Conclusão
Em suma, este artigo apresentou uma reflexão sobre o que é literacia, não no sentido de desprezar os termos alfabetização e letramento. Acredito que na prática, podemos incorporar as contribuições desses três termos, entendendo que cada um tem sua especificidade, mas um não exclui o outro.
Desse modo, as pesquisas científicas podem contribuir muito com a melhoria da educação. Hoje, temos muitas informações sobre como a criança aprende, como constrói hipóteses, algo que as pessoas não tinham conhecimento antigamente. A sociedade continua mudando e com isso, novas concepções vão surgindo. Precisaremos sempre de novas palavras para nomear novas descobertas, e assim vamos aprendendo novos termos, como é o caso da literacia.
Referências
ALÇADA, Isabel. Políticas de leitura. In: ALVES, Rui A; LEITE, Isabel. Alfabetização Baseada na Ciência. Brasília: Ministério da Educação, 2021, p. 4-30.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA: Política Nacional de Alfabetização. Brasília: MEC, SEALF, 2019b. Disponível em: https://alfabetizacao.mec.gov.br/images/pdf/caderdo_final_pna.pdf. Acesso em: 21 jun. 2023.
COSTA, Ana. Literacia emergente em contexto familiar. In: ALVES, Rui A; LEITE, Isabel. Alfabetização Baseada na Ciência. Brasília: Ministério da Educação, 2021, p. 124-141.
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