A intervenção pedagógica para alfabetização deve considerar as habilidades preditoras do aprendizado da leitura, da escrita e dos conceitos básicos de matemática.
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Uma das contribuições da neurociência para a educação, foi descobrir que o cérebro humano não está predisposto à leitura, naturalmente.
Ou seja, não é uma habilidade que nascemos com ela e isso justifica a necessidade de um ensino explícito para que aprendamos a ler e escrever.
Essa evidência científica reforça a relevância do trabalho dos professores alfabetizadores, pois a qualidade das intervenções contribui para a aquisição dessa nova habilidade.
Vários fatores interferem no processo de alfabetização, o que faz com que muitas crianças não desenvolvam essas habilidades no tempo certo.
Com isso, a necessidade de intervenções pedagógicas para a alfabetização é uma constante.
Contudo, para que esse trabalho tenha êxito, é preciso conhecer bem todo o processo que envolve a aquisição da leitura e da escrita e focar nas habilidades que são prioritárias.
Descubra, neste post, quais são as habilidades essenciais para realizar intervenções pedagógicas para alfabetização. Qual a importância da consciência fonológica, do conhecimento sobre os níveis de escrita e das aprendizagens prioritárias na alfabetização matemática.
Quais são as habilidades preditoras da alfabetização?
Quando estamos planejando a intervenção pedagógica para alfabetização não podemos esquecer das habilidades preditoras da alfabetização.
Muitas vezes, focamos apenas na codificação e decodificação. Porém, devemos pensar que talvez o aluno não desenvolveu as habilidades-base para esse aprendizado.
Por meio da intervenção pedagógica, podemos retomar essas habilidades e ajudar o estudante a desenvolver a base necessária para avançar no aprendizado da leitura e da escrita.
Essa “base” para o aprendizado da leitura e da escrita engloba dois grupos de habilidades fundamentais: linguagem oral e processamento fonológico (Alves e Weissheimer, 2024).
Quando contamos histórias para os alunos, propomos os teatrinhos com fantoches, por exemplo, não temos a dimensão do quanto isso será importante para que eles aprendam a ler e escrever, não é mesmo?
Mais que incentivar o gosto pela leitura, essas estratégias são preditoras da compreensão do sistema alfabético.
Já o processamento fonológico acontece inicialmente por meio da consciência fonológica, que é a capacidade de perceber e manipular os sons da fala.
Inicialmente, trabalha-se com a
- consciência de frases/palavras,
- sílabas,
- rimas,
- aliterações.
Posteriormente, as crianças serão estimuladas a desenvolver a consciência fonêmica, isto é, a relação entre letras (grafemas) e sons (fonemas), que é uma habilidade mais complexa.
Modelo da Corda de Scarborough
O Modelo da Corda de Scarborough ajuda a entender as habilidades preditoras de forma clara e visual.
Esse modelo, criado pela pesquisadora Hollis Scarborough (2001), é uma metáfora poderosa que mostra como a leitura fluente e com compreensão depende do entrelaçamento de várias habilidades.
Imagine uma corda forte feita de muitos fios finos. Cada fio representa uma habilidade essencial. O modelo divide essas habilidades em dois grandes grupos:
1. Compreensão da linguagem (a parte de cima da corda)
Estas são habilidades mais relacionadas à linguagem oral e ao entendimento do mundo:
- Vocabulário: saber o significado das palavras.
- Conhecimento prévio: ter experiências e informações que ajudam a entender o texto.
- Estrutura da linguagem: conhecer a gramática e como as frases são organizadas.
- Inferência e raciocínio: conseguir “ler nas entrelinhas”.
- Gêneros e estruturas textuais: entender como funcionam diferentes tipos de texto (narrativos, informativos etc.).
Essas habilidades ajudam a dar sentido ao que está sendo lido.
2. Reconhecimento de palavras (a parte de baixo da corda)
São as habilidades que permitem decodificar e identificar palavras escritas com precisão e rapidez:
- Consciência fonológica: perceber e manipular os sons da fala.
- Decodificação: transformar letras em sons.
- Reconhecimento automático de palavras: ler palavras conhecidas com fluência.
- Ortografia: saber como as palavras são escritas corretamente.
Essas habilidades tornam a leitura mais fluida e automática.
Como tudo se conecta?
No início, as crianças precisam esforçar-se para usar cada “fio” separadamente: decifrar palavras, entender frases, buscar sentido.
Com o tempo, prática e ensino de qualidade, os fios se entrelaçam automaticamente — como numa corda forte e estável.
O resultado? Leitura fluente, automática e com compreensão.
Se um desses fios estiver fraco, a corda perde força. Por isso, é tão importante avaliar e trabalhar todas essas habilidades desde os primeiros anos.

Importância da consciência fonológica na intervenção para alfabetização
A nossa famosa amiga, chamada “consciência fonológica” é sempre lembrada quando o assunto é alfabetização.
Para não cair no “achismo” vamos tratar da consciência fonológica a partir de alguns estudos.
Ana Cristina Silva, no artigo “Consciência Fonológica e Conhecimento das letras” afirma que:
“As investigações no âmbito da consciência fonológica demonstraram que esta competência tem um papel relevante na aquisição da leitura e escrita e na compreensão do princípio alfabético, sendo relativamente consensual a ideia de que existe uma relação recíproca entre o sucesso no processo de alfabetização e o desenvolvimento de competências fonológicas mais sofisticadas. Ou seja, é necessário um mínimo de capacidades de reflexão sobre o oral para que a criança consiga apreender a lógica inerente ao processo de codificação da linguagem escrita, mas, por sua vez, a aquisição da leitura e escrita irá aprofundar o desenvolvimento de competências fonológicas mais complexas (Byrne, 1992, 1997; Goswami, 1998; Murray, 1998; Stahl & Murray, 1994, 1998)” (Silva, 2021, p.226)
A autora cita vários estudos que comprovam o valor preditivo da consciência fonológica no aprendizado da leitura e da escrita.
Alessandra G. Seabra e Natália M. Dias, no artigo “Reconhecimento de palavras e compreensão de leitura: dissociação e habilidades linguístico-mnemônicas preditoras” realizaram uma pesquisa para identificar quais habilidades melhor podem predizer o reconhecimento de palavras e a compreensão de leitura de frases simples.
Observe os resultados dessa pesquisa:
“Com relação ao reconhecimento de palavras, a compreensão auditiva e a consciência fonológica foram as melhores preditoras. Isso sugere que tais habilidades de linguagem oral estão fortemente relacionadas ao melhor desempenho na tarefa aqui empregada para avaliar o reconhecimento de palavras […] Os resultados desta pesquisa, com suporte da literatura, evidenciaram que a compreensão auditiva, vocabulário e marginalmente a memória de trabalho auditiva constituíram-se boas preditoras da compreensão de leitura. Além, o conhecimento de letras também integrou o modelo explicativo”(Dias; Seabra, 2012, p.53).

Grazielle Franciosi da Silva e Dalva Maria Alves Godoy, no artigo “Estudos de intervenção em consciência fonológica e dislexia: revisão sistemática da literatura” analisaram os principais estudos de pesquisas brasileiras sobre a relação entre processamento fonológico e a aprendizagem de leitura.
As autoras concluíram que programas com atividades focadas no processamento fonológico encontraram resultado satisfatório no desempenho de habilidades de consciência fonológica e no desenvolvimento das habilidades de leitura.
Também que elas são eficazes tanto para crianças com facilidade no domínio do SEA Sistema de Escrita Alfabética), quanto para aquelas que apresentam dificuldades. (Sistema de Escrita Alfabética).
“Dessa forma, infere-se que o baixo desempenho em leitura esteja associado ao desenvolvimento insuficiente das habilidades de consciência fonológica e que uma intervenção pedagógica baseada na estimulação dessas habilidades e no ensino explícito da correspondência entre grafemas e fonemas pode minimizar ou superar as dificuldades de aprendizagem encontradas, bem como servir de ferramenta para detecção de indicadores precoces de risco para dislexia” (Silva; Godoy, 2020, p.15).
Essas são apenas algumas pesquisas que reafirmam a importância do desenvolvimento da consciência fonológica. É praticamente um consenso em vários estudos já realizados.
Por isso, se você precisa planejar uma intervenção pedagógica para a alfabetização não se esqueça de investigar se os alunos desenvolveram a consciência fonológica.
Se não tiverem desenvolvido, é necessário estimular essas habilidades.
Importância de conhecer os níveis de escrita
Você já ficou desesperada ao analisar uma sondagem de escrita de um aluno, que deveria estar alfabetizado, sem saber como começar uma intervenção ou uma aula de reforço?
Isso aconteceu comigo e acredito que é muito comum quando começamos a atuar na pedagogia.
Eu realizei um ditado (não era bem uma sondagem de escrita como deve ser) e como a aluna estava no nível de escrita pré-silábico, ela escreveu várias letras aleatórias, mais ou menos a mesma quantidade de letras para todas as palavras.
Ao olhar aquela folha de ditado eu fiquei perdida. Com pouca experiência, eu não conseguia compreender quais atividades seriam adequadas para essa aluna.
Então, preparei uma atividade lúdica. Era uma roleta feita com caixinhas de fósforo, cada uma com uma imagem e dentro havia letras móveis para formar o nome da imagem.
Era uma ótima atividade, colorida, interativa, mas não funcionou para essa aluna em específico, embora tenha funcionado com outros alunos.
O conhecimento faz muita diferença na vida da gente. Muitas vezes, acontece de ficarmos frustradas, perdendo um tempo precioso nosso e de nossos alunos, por não conhecer as estratégias corretas para cada necessidade.
Estudar sobre o modo como as crianças aprendem a escrever, nos capacita a realizar atividades e intervenções que ajudem a criança a avançar a partir das hipóteses que ela tem sobre o sistema de escrita alfabético.
Nesse sentido, para realizar uma eficiente intervenção pedagógica para alfabetização, além de realizar a sondagem de escrita, regularmente, é preciso aprender a interpretá-la.
E assim, planejar atividades adequadas à necessidade de cada estudante, de acordo com o nível de escrita em que ele está.
Ver os resultados de nosso trabalho é ótimo! Mas, contribuir para que a criança seja alfabetizada e consiga continuar o percurso escolar, é melhor ainda!

Necessidade de olhar o aluno como um ser integral
As palavras de Ângela Chuvas Naschold e Ana Carolina Zuanazzi (2024, p. 53), são muito assertivas:
“(…) para a consolidação da alfabetização integral, o trabalho pedagógico precisa ir além do domínio do sistema alfabético de escrita. Na concepção da alfabetização integral, o domínio da oralidade, da leitura e da escrita requer a incorporação de linguagens de outras áreas do conhecimento, como a linguagem corporal, a científica, a artística e a digital, atrelada à valorização dos aspectos biológicos, ambientais, cognitivos e socioemocionais do estudante”.
Os aspectos cognitivos são importantes. Mas, devido ao pouco tempo e tantas demandas, muitas vezes, focamos só neles e deixamos os outros aspectos de lado.
Na intervenção pedagógica para a alfabetização, é preciso:
- Investigar se a criança está se alimentando bem, como está a saúde, se dorme a quantidade de horas recomendada;
- Observar se ela tem uma boa relação com os colegas e professores;
- Observar se o aluno é curioso, se tem motivação para aprender.
- Avaliar se o espaço de estudo, na sala de aula e na escola estão favorecendo a aprendizagem.
- Avaliar se as atividades estão de acordo com as características cognitivas de cada criança.
Nos anos iniciais, o trabalho com as competências socioemocionais é muito relevante. Pois além de desenvolver uma inteligência socioemocional, impulsiona o aprendizado.
O trabalho com múltiplas linguagens também deve ser considerado na intervenção pedagógica. Agregar outras linguagens ajuda o estudante a compreender melhor o que está sendo ensinado e levar esse conhecimento para a vida.
As reflexões sobre a alfabetização integral também nos remetem à importância de uma família participativa na implementação da intervenção pedagógica.
Nessa perspectiva, o diálogo entre os pais/responsáveis e os professores ajudam a ver o estudante como um indivíduo pleno. Assim, fica mais fácil identificar as causas da dificuldade de aprendizagem e as estratégias que podem trazer bons resultados para a melhoria desse processo.
Importância da alfabetização matemática

Um grande destaque tem sido dado ao aprendizado da leitura e da escrita na alfabetização. Afinal, são habilidades essenciais em toda a trajetória escolar.
Porém, não deixe a matemática de lado!
Também é fundamental que as crianças compreendam a linguagem matemática.
As primeiras noções da matemática, apresentadas nos primeiros anos do ensino fundamental vão ser a base para os demais conteúdos, os quais ampliam a complexidade conforme o estudante avança nos estudos.
Sendo assim, se o aluno está apresentando dificuldades no componente de matemática, investigue se ele consolidou essa “base” da alfabetização matemática.
Esse é o segredo para uma intervenção pedagógica assertiva.
Alguns conhecimentos que são essenciais no aprendizado inicial da matemática são:
- Contar e comparar quantidades;
- Perceber as regularidades na sequência numérica e na escrita dos números;
- Compreender as características do sistema de numeração decimal.
Conclusão
Neste post, vimos algumas questões que não podemos esquecer para realizar uma boa intervenção pedagógica na alfabetização.
Vale ressaltar que a consciência fonológica não é a única habilidade a ser desenvolvida para a aquisição da leitura e da escrita.
Essas foram apenas algumas colocações, pois a alfabetização é um processo bem complexo. Mencionar todos os aspectos em que podemos intervir pensando em uma alfabetização plena, resultaria em um post imenso e você não teria paciência de ler tudo!
Resumindo:
1. Na intervenção pedagógica voltada ao desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, analise se o estudante desenvolveu as habilidades preditoras da alfabetização: linguagem oral e processamento fonológico;
2. Priorize o desenvolvimento da consciência fonológica se o aluno ainda não desenvolveu essa capacidade. Pois, como vimos, a consciência fonológica tem sido apontada por diversos estudos, como fundamental para o sucesso da alfabetização;
3. Quanto à intervenção na escrita, conheça os níveis de escrita dos alunos segundo a psicogênese, para planejar atividades direcionadas às necessidades de cada um;
4. Não deixe a matemática de lado. A alfabetização e o letramento matemático são indispensáveis. Priorize habilidades essenciais do currículo de matemática para que os estudantes tenham o “alicerce” para consolidar outras habilidades mais complexas.
Referências
ALVES, Gisele; WEISSHEIMER, Janaina. Alfabetização e Neurociências. In: ZUANAZZI, Ana Carolina; VOTO, Maria Lúcia (org.). Alfabetizar: das definições às boas práticas. [livro eletrônico] São Paulo : Instituto Ayrton Senna, 2024. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/app/uploads/2025/05/VF-5_ALFA-EduLab_Ebook_Alfabetizar_das_definicoes_as_boas_praticas.pdf. Acesso em 06 jun. 2025.
SEABRA, Alessandra G.; DIAS, Natália M. Reconhecimento de palavras e compreensão leitora: dissociação e habilidades linguístico-mnemônicas preditivas. Neuropsicologia Latino-Americana, [S. l.], v. 4, n.º 1, 2012. Disponível em: https://neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_Latinoamericana/article/view/101. Acesso em: 3 jun. 2025.
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SILVA, Grazielle Franciosi da; GODOY, Dalva Maria Alves. Estudos de intervenção em consciência fonológica e dislexia: revisão sistemática da literatura. Revista de Educação PUC-Campinas, [S. l.], v. 25, p. 1–17, 2020. DOI: 10.24220/2318-0870v25e2020a4921. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/reveducacao/article/view/4921. Acesso em: 3 jun. 2025.
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