Concepção de alfabetização na aprendizagem da leitura e escrita: uma reflexão pertinente e necessária

Como nossa concepção de alfabetização pode interferir no ensino-aprendizagem da leitura e escrita? Venha refletir sobre esse tema importante, conhecer as diferentes concepções que se destacaram em determinados momentos históricos do Brasil e entender a importância da perspectiva psicogenética de alfabetização. E acima de tudo, repensar a prática alfabetizadora.

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Uma das dúvidas que sempre temos é qual o melhor método para alfabetizar. Tudo fica bem mais difícil quando vemos tantas concepções e descobrimos que não há consenso. Isso porque cada pessoa pode defender determinada concepção de alfabetização, de acordo com suas convicções.

Aliás, a alfabetização sempre foi um campo de disputas ideológicas e discussões, muitas vezes, uma briga constante entre o tradicional e o inovador.

Porém, tudo isso não é um problema, pois todas as discussões são com o objetivo de buscar melhorias para a alfabetização das crianças brasileiras.

Atualmente, vivenciamos um grande desafio em melhorar os índices de alfabetização, pois essa é a base para melhorar o aprendizado dos estudantes em outras áreas de conhecimento também.

Nesse sentido, é importante refletir sobre esse assunto. Se você escolhe como alfabetizar, consequentemente, isso indica que tipo de aluno você deseja formar e reflete suas concepções sobre o que significa alfabetização, leitura e escrita.

Vamos refletir juntas (os)?

Diferentes concepções de alfabetização em momentos históricos no Brasil

Como vimos, muitos métodos foram defendidos ao longo da história, para tentar melhorar a alfabetização no Brasil. Ao mesmo tempo, foram realizadas pesquisas para indicar como as crianças aprendem. Através desses caminhos que a sociedade percorreu, hoje compreendemos melhor várias questões. E a mais importante delas é saber como a criança aprende.

Veja a seguir os métodos mais utilizados nos diferentes momentos históricos do Brasil.

Método sintético

O método sintético é considerado o mais antigo, o primeiro a ser utilizado. Nele, considera-se que a aprendizagem é mais fácil quando parte de unidades menores (letras, fonemas ou sílabas) para depois aprender unidades maiores (palavras, frases e textos). Assim, parte do mais simples para o mais complexo.

Na prática, funciona assim: As palavras são divididas em partes menores e o aluno repete essas pequenas partes até memorizar. Depois, o estudante passa a compor novas palavras a partir dos fragmentos decorados.

Sendo assim, essa concepção de alfabetização fundamenta a técnica da soletração, em que a criança aprende as letras, uni-as em sílabas e depois forma palavras.

Também no método silábico, os alunos memorizam unidades menores, que são as sílabas, para depois, uni-las em palavras.

Dessa forma, o foco do ensino está na leitura e escrita convencional. Não existe preocupação com o sentido e significado do que se lê ou escreve. Além disso, todas as crianças seguem o mesmo processo, independentemente das suas particularidades.

Com base na análise sintética, o método fônico parte do fonema (menor unidade) para depois construir partes maiores. Esse método surgiu como uma crítica ao próprio método sintético, pois os adeptos consideravam que até então, o processo era artificial, uma vez que o nome das letras não corresponde ao som que elas representam.

Apesar de trazer avanços, o método fônico ainda era uma proposta mecanizada e distante das práticas sociais e reais de leitura e escrita.

“Em conclusão, as abordagens sintéticas parecem ignorar, definitivamente, o caráter significativo da escrita no seu processo de aquisição, o que provavelmente implica uma desmotivação para tal aprendizagem, além de não contribuir para auxiliar a criança a perceber a funcionalidade desse objeto para o cotidiano” (GALVÃO, LEAL, 2005, p.20)
Concepção de alfabetização - Método sintético - mapa mental

Ao longo do tempo, o método sintético sofreu alterações e também foi questionado.

Método analítico

Com a novidade de agregar significado às propostas de alfabetização, surgiu o método analítico. Nesse método, os estudantes aprendem a partir de unidades maiores que serão divididas em partes menores. Ou seja, primeiro apresenta-se um texto, que é reduzido a uma frase, depois às palavras, sílabas e por fim, às letras.

“Esses métodos prevêem, no início da aprendizagem, um período bastante longo dedicado à atividade de memorização de unidades estruturalmente mais complexas da língua escrita (palavras e frases), para somente em seguida, através de um processo espontâneo de descoberta, as crianças passarem a subdividi-las e a prestar atenção às suas peculiaridades (fonemas, sílabas e letras). Por sua vez, a partir das letras e sílabas aprendidas, a criança passaria a ler e escrever as outras palavras e frases ainda não memorizadas. Desta forma, a criança alcançaria uma compreensão da correspondência entre sons e letras (fonemas/grafemas) e, em seguida, tornar-seia capaz de ler qualquer palavra nova, através de um processo de análise e síntese”. (ROAZZI, LEAL e CARVALHO, 1996, p. 9 apud GALVÃO, LEAL, 2005, p. 21)

Seguindo o método analítico, os professores realizam a leitura global e, em seguida, encaminham os exercícios de leitura e escrita. O foco do ensino está também na leitura e escrita convencional.

Concepção de alfabetização - Método analítico - mapa mental

Por um lado, a concepção de alfabetização defendida pelo método analítico, considera a importância do sentido. Mas, por outro, continua no caminho da repetição, como se alfabetizar fosse apenas levar à memorização.

Método misto ou analítico-sintético

A dúvida sobre qual o verdadeiro sentido de ler e escrever continuou. Assim, desenvolveu-se um terceiro método. Mas, na verdade, não foi uma alternativa completamente nova e sim, a mistura entre os dois métodos vigentes. Surgia, então, o método misto ou analítico sintético.

Tal concepção de alfabetização, defende um olhar para o todo, que considera as partes maiores (frases e palavras). E também inclui a análise sonora sintética das partes menores (letras, fonemas e sílabas).

Uma variação do método analítico-sintético, é a palavração. Seguindo esse raciocínio, o aluno aprende palavras, separa em sílabas para assim, formar novas palavras. Como exemplo, temos o “Método Paulo Freire”.

Dessa maneira, no método misto, a criança segue os passos definidos por uma mistura de propostas. Algumas são focadas em palavras, e outras em partes menores, como sílabas e letras.

Concepção de alfabetização - método misto ou analítico-sintético - mapa mental

O foco do ensino, assim como nas demais concepções já apresentadas, continua na leitura e escrita convencional.

Até agora, em nossa reflexão, você pôde perceber que nenhuma das concepções de alfabetização considerou o que as crianças pensam sobre a leitura e escrita. E também o que os estudantes precisam para ser leitores e escritores na vida social.

Contribuições da psicogênese da língua escrita

Todas as indagações de como colocar os estudantes como protagonistas do percurso alfabetizador, começaram a ser respondidas a partir da década de 1980. Foi quando as pesquisadoras argentinas, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky publicaram o estudo “Psicogênese da Língua Escrita”. O grande diferencial foi contemplar o ponto de vista de quem aprende, ou seja, do estudante.

Enquanto os demais métodos estavam focados em “como ensinar”, a pesquisa considerou o viés de “como se aprende”. Assim, a criança passou a ocupar o lugar central na reflexão sobre a alfabetização.

Nessa abordagem, considera-se as individualidades de cada aluno no processo de aprendizagem, bem como textos e palavras significativas. Os estudos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky promoveram muitos avanços nos processos de alfabetização. Tal reflexão aproximou os processos de ensino e aprendizagem às práticas sociais de leitura e escrita.

Quando a escola propõe textos reais de circulação social, como receita, sumário, texto jornalístico, é uma proposta baseada na Psicogênese da Língua Escrita. Dessa forma, a leitura e escrita é trabalhada em contextos, além dos muros da escola.

Concepção de alfabetização - abordagem psicogenética - mapa mental

Por que refletir sobre as concepções de alfabetização? Como isso influencia na aprendizagem da leitura e escrita?

Primeiramente, quem trabalha na Educação Básica, já conhece bem todos os desafios. As pesquisas divulgam para a sociedade o que já conhecemos. Recentemente, foram divulgados os resultados do Pirls 2021 (Progress in Internacional Reading Literacy Study). Esse é um exame internacional que mede as habilidades de leitura de alunos do 4º ano do ensino fundamental. O teste avaliou a capacidade das crianças em compreender textos, estabelecer conexões entre as informações lidas e desenvolver senso crítico a respeito do conteúdo (TENENTE, 2023).

Como resultado desse teste, constatou-se que 38% dos estudantes brasileiros não dominavam as habilidades básicas de leitura, enquanto 13% foram classificados como proficientes. Sendo assim, o Brasil ocupou o 39º lugar em ranking com 43 países.

Além disso, um levantamento inédito do MEC mostrou que 56,4% das crianças brasileiras não estão alfabetizadas. Segundo o levantamento, apenas 4 em cada 10 crianças do 2º ano do ensino fundamental estavam alfabetizadas em 2021 (SANTOS, 2023).

Processos de aprendizagem além dos métodos de ensino

Nessa perspectiva, é pertinente refletir sobre as concepções de alfabetização. O que é estar alfabetizado para você? Não podemos ignorar todos os estudos que já foram realizados. Os avanços da neurociência, por exemplo, tendem a contribuir bastante com a prática.

É muito comum ouvir pessoas dizendo que não é necessário ter um único método para alfabetizar. De fato, cada método de alfabetização traz limites e possibilidades. Além do fato de que existe um contexto mais amplo que também interfere no ensino e aprendizagem da leitura e escrita.

Contudo, nossa concepção do que é alfabetização, leitura e escrita pode interferir na aprendizagem dos estudantes.

Se insistimos em alfabetizar a partir da memorização, sem que isso faça sentido para as crianças, estamos nos distanciando de um ensino significativo. Além disso, os exercícios repetitivos, não são garantia de que a criança compreendeu o funcionamento da escrita alfabética.

Convém sempre lembrar que o aprendizado da leitura e escrita não é algo natural e por isso, é preciso oferecer aos estudantes os estímulos corretos para que possam avançar.

Nesse sentido, na medida em que a criança interage com o material escrito, constrói suas hipóteses e também interage com o professor e colegas, se realiza a aquisição do sistema alfabético.

Conclusão

Para ampliar nossa concepção de alfabetização, leitura e escrita, precisamos refletir sobre duas questões: a representação social que a escrita tem para o estudante, e o verdadeiro sentido e motivação que ele traz consigo para aprender a ler e escrever.

Diante dessa reflexão, deixamos de conceber a alfabetização como um aprendizado mecânico, com textos e palavras sem sentido e pouca representatividade social.

Enfim, precisamos resgatar propostas carregadas de sentido e vincular práticas sociais de leitura e escrita. Nossa intencionalidade faz toda a diferença!

O desafio é imenso e o fardo para o professor é pesado demais. No entanto, acredito que a formação continuada, a busca de conhecimento constante, tem muito a ampliar a visão e descortinar novas propostas para melhorar os índices de alfabetização.

Referências

GALVÃO, Andéa; LEAL, Telma Ferraz. Há lugar ainda para métodos de alfabetização? Conversa com professores(as). In: MORAIS, A.; ALBUQUERQUE, E.; LEAL, T. F. Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabético. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 11-28.

SANTOS, Emily. 56,4% das crianças brasileiras não estão alfabetizadas, mostra levantamento inédito do MEC: Portal G1, 31 maio 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/05/31/564percent-das-criancas-brasileiras-nao-estao-alfabetizadas.ghtml. Acesso em 05 jun. 2023

TENENTE, Luiza. Em teste de habilidades de leitura entre crianças, Brasil ocupa 39º lugar em ranking com 43 países: Portal G1, 16 maio 2023. Disponível em : https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/05/16/criancas-do-brasil-tem-habilidades-de-leitura-inferiores-as-do-azerbaijao-e-do-uzbequistao-mostra-teste-internacional.ghtml. Acesso em 05 jun. 2023


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